"Manhã tão forte que me anoiteceu", um chá à noite me retoma o lugar. Dândi, onde está a chaleira, aquela que foi de mamãe, que foi de vovó, que foi da mãe de vovó, que foi? Meu único bem restante, que é de?
Quebrei por acidente, andava a lustrar tudo o que fosse inútil, bandejas de prata, copos de marfim, colheres de jasmim, pratos de uísque, candelabros de bordel, quebrei e foi em muitos cacos, nem quis colar, tudo uma futilidade só, não sei por que razão o senhor esconde esses valorosos objetos nas mais altas e secretas prateleiras.
Dândi, não se meta jamais em saber dos meus propósitos, se eu guardo candelabros de bordéis, tenho cá minhas razões, mantenha-se calado e sirva para o que eu lhe pago, lustre tudo, quero ver brilhar útil e inútil, quero o brilho fora e dentro das gavetas, quero a certeza de que lá dentro guardo comigo brilho puro de acabamento úrdico. E agora?, como tomarei meu chá de fortalecer minha lucidez?, que é da minha noite clara, criado Dândi?, providencie já soluções, tenho preguiça de pensar, pago-lhe também pra me viver no meu lugar caso eu me canse de tudo, inclusive dos poemas mais alados, pois agora quero mesmo acordar pra noite, tomar o lugar das sombras, Dândi venha cá, cumpra-me a ordem, "é só de mim que eu ando delirante", se no meu sobrenome me chamaram Carneiro não foi por ironia, foi mais por serem divinas as ovelhas e seus machos chifrudos, Carneio sou, pertenço a deus, vou já pra casa, mas antes quero meu chá.
Sim, senhor, senhor de Sá Carneiro.
Só peço mais uma coisa, dilua a erva em conhaque porque a lucidez me evapora. "Que saudade da morte."