sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

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viver conforme a natureza (dos otimistas mais lúcidos)










Happy-Go-Luck (UK, 2008) se mantém com controvérsias na categoria de filme otimista ao exalar certa tristeza por trás de quem não vê outro jeito pra vida, senão viver com alegria. Aliás, não é bem “tristeza”, mas sim um ar trágico, uma atmosfera melancólica o que emana do novo filme de Mike Leigh – antes responsável pela escrita e direção do pungente “O Segredo de Vera Drake”, de 2004. É que, como nos mostra a protagonista Poppy, se a vida não for levada nesses modos, torna-se contraditório viver. Imagine, por exemplo, viver para negar os prazeres. Imagine aquele sujeito que de tudo reclama, e o tempo inteiro. Para a professora Poppy, justo seria perguntar a esse indivíduo: então por que você ainda vive? Pelo menos foi o que eu pensei do filme.

Sim, porque a linha que conecta o sujeito mais realista de todos ao otimismo e ao pessimismo é a questão do suicídio. É simples: se a vida é insuportável, acabe com ela. Em última instância, o suicídio é a saída ("Que se retire o incomodado"). Por outro lado, claro que há também a saída da mudança, através do esforço que o indivíduo infeliz faz para trucidar aquilo que lhe perturba na instância do seu destino – seja mudando-se de cidade, de emprego, de rumo, de roupa. Ser, a um só tempo, pessimista e inativo é negar os gozos possíveis (é pensar o pior de tudo e, por isso, ignorar o lado dinâmico do universo).

Por outro lado, ser otimista pode gerar grandes chances de uma forte decepção para com o próprio mundo (aquele sujeito que, ao descobrir uma verdade, leva um choque, torna-se soturno como quem acaba de desvendar a feiúra do real – algo que ele sempre ignorou). É para isso que o Estoicismo chama a atenção: o distanciamento que sofre o otimista é perigoso para ele mesmo na medida em que, quanto mais distante da realidade ele estiver, maiores as chances de perceber-se flutuando em quimeras e maior o impacto da queda gerada por essa percepção do real. Mas o realismo otimizado de Poppy se sustenta sobre essa linha entre o ótimo e o péssimo: por ser realista, ela nunca sofrerá essa queda a que os otimistas estão sujeitos, bem como nunca se absterá dos prazeres – porque sabe tirar a seiva do estar-viva.

O realismo alegre de Poppy é, desse modo, a afirmação da tragédia por excelência: ele pressupõe a aceitação de que existe sim a possibilidade de ver o mundo com olhos fatalistas – graças à racionalidade, a qual nos mostra o que é real e nos faz capazes de vislumbrar os ideais mais díspares. Poppy jamais demonstra inocência. Ela carece de qualquer comportamento imaculado. Seu jeito de absorver as experiências parece sempre lúcido, e quando ela se depara com um sujeito que materializa o pessimismo (seu professor da auto-escola), há muitas faíscas – e risadas também. O lúcido pode, assim, ser lúdico. Poppy corrompe todo o mau do pessimismo com piadas e muita paciência. Não obstante, na hora em que tais jogos não têm mais vigor, ela se põe firme e séria, como se dissesse não àquilo que só vive para afirmar o ruim.

O filme é cheio de cores e céu azul de uma primavera em Londres – famosa por seu cinza dominante. Como podemos pensar – seguindo o Poppy way of life –, as cores e os dias ensolarados surgem ali com vigor porque o filme, de fato, é um recorte do real; e a escolha do diretor Mike Leigh foi recortar com lucidez o seu lado colorido, sem esquecer o embate desse humor com o seu oposto, o fatalismo dos desistentes da vida.