Eveline
Desde cedo, Eveline se preparou para o mundo. Criança ainda, a mochila era denúncia do desejo de ir, Para onde, filha?, perguntavam-lhe, Não sei, mas adoro mapas, respondia.
De fato, a única coisa que lhe agradava nas aulas de geografia eram os mapas. Sempre que o professor expunha o mundo à frente de todos os alunos, Eveline tinha em si confirmada a verdade mais concreta de sua infância: O mundo é para mim.
Aos poucos, passou a ouvir canções inglesas para imaginar outra nação, outro povo. Os discos em rotação, a mente de Eveline em imagem do não visto. E descobriu que outros povos são ainda feitos de gente como ela, que compositores e personagens são tão humanos quanto ela. Por isso, dos outros ela queria participar. O sotaque ela forjava. A brancura ela vestia. O humor ela exercitava. O frio até. Mas a adolescência existe como uma turbulência, e Eveline se cansou de imaginar. Era hora de ação.
Quando, saindo de seu quarto, olhou à volta, viu que não havia como. Ir ao mundo era complicado. Dinheiro e paciência são os bens de um viajante, concluiu depois de muita tristeza. Novos discos usados acariciavam aquela adolescente, para quem ser rude era um jeito honesto de viver inconformada.
Era o outro, o que não sabia que queria – queria ela. O desabitado por seu corpo. A gente que sua carne ainda não conhecia. Descobriu então o teatro, e foi um acalento. Catarse para um espírito impaciente, o teatro lhe era casa.
E também as letras reajustadas em novas línguas, as coisas contadas em conversas escritas por estranhos idiomas: entregar-se ao estranho era mesmo o seu desejo. Afundou-se nos rios contados por Virgínia Woolf. Enquanto vigiava a aparição casual de um escape, Eveline viajava com Virgínia para o lado de dentro. Mergulhavam amigas num rio de horas e rosas, de festas e suicídios. Viu florestas negras, bebeu vinhos brancos. Morreu. Viveu. Comprou casa, fez festa com os amigos. Estabeleceu assim sua fortaleza, porto para as várias voltas.
Eveline: onde está agora, adulta. Casou-se? Acredita-se que não. Mulher viajante não tem raiz, voa. Eveline era um balão arrastado em fogo. Pode ser que esteja num trem, agora adormecida, cansada do que decidiu ser. Aguarda por ela um novo ar, uma nova cidade. Eveline quer o novo se repetindo, o desbravado rumo até o fim.